Saviorless é um jogo sobre o poder das palavras. Também é um jogo sobre perseverança. Sobre o controle do nosso próprio destino. É um jogo, uma fábula, um exemplo. É, Saviorless é muita coisa. Em desenvolvimento desde 2016, o game sobreviveu à um fechamento de embaixada, crises de energia, falta de equipamento técnico, acesso limitado a internet e a incapacidade de acessar formas de financiamento internacional.
A mera existência de Saviorless é quase um milagre. É um trabalho completamente movido por paixão e ele exala isso em cada pixel. Desenvolvido pelo estúdio Empty Head Games e publicado pela Dear Villagers, Saviorless também é praticamente um artefato histórico. O jogo marca a inauguração de Cuba como um país exportador de games.
E, bem, isso é meio que um spoiler do resto do texto mas a conclusão é de que precisamos de mais jogos feitos em Cuba. Vem comigo nesse review de Saviorless e saiba por que o jogo é surpreendente, poderoso e que facilmente vai estar nas principais listas de melhores indies de 2024!
Abraçando o destino
A estrutura narrativa de Saviorless é muito engenhosa. O projeto praticamente conta uma história dentro de uma história. Logo no começo do jogo somos introduzidos ao Narrador Tobias, um ancião que, juntamente dos seus netos, conta uma lenda antiga sobre um garoto chamado Antar e sua jornada para se tornar um Salvador.
Contudo, a história ganha desdobramentos inesperados e o Narrador perde controle da mesma. A metalinguagem de Saviorless acontece com maestria e, se o jogador prestar atenção ao conto, a narrativa é capaz de conversar com a própria alma de quem joga.
Não darei detalhes específicos sobre o que acontece ao longo da jornada de Antar. Estamos falando sobre um indie de aventura/plataforma com cerca de 5 horas de duração. O aspecto narrativo é um dos pontos mais fortes do game e por isso não darei nenhum spoiler.
O que posso afirmar é que a história é cheia de dualidades e reflexões sobre o mundo real. Saviorless é uma história sobre controle. Sobre a obsessão em ter o controle. Sobre a eterna dúvida: podemos de fato trilhar nosso destino ou estamos presos à ele para sempre? Existe realmente uma ilha prometida lá “fora”? Com personagens marcantes e diálogos muito bem escritos e dosados, Josue Pagliery, o roteirista de Saviorless, fez um trabalho impecável que vai ficar em meu coração e mente por muito tempo.
Falando sobre a duração, eu levei cerca de 8 horas para obter o 100% pois tive de concluir o jogo duas vezes para ver ambos os finais: o bom e o ruim. Pode parecer pouco para alguns, mas o jogo em nenhum momento deixa a impressão de que foi apressado, pelo contrário, ele tem uma duração perfeita e acaba no momento certo, sem deixar nenhuma ponta solta.
Não espere por um metroidvania
Uma coisa que preciso deixar claro nesse review de Saviorless é que os trailers podem enganar um pouco, então, não espere por um metroidvania. Saviorless é um jogo de aventura e plataforma. Temos trechos de combate mas eles são bem pontuais. No total, temos 3 protagonistas distintos:
- Antar
- O Salvador
- Nento, o Caçador
O jogo engenhosamente usa seu elenco plural de personagens para diversificar o gameplay. Jogamos a maior parte do jogo com Antar. Os trechos protagonizados pelo garoto são focados em acionar mecanismos e subir e descer de plataformas. No começo estranhei um pouco o gameplay. A movimentação tinha um peso bem maior do que em outros títulos do mesmo gênero.
Contudo, após os minutos iniciais, nos habituamos com o gameplay e o peso começa a fazer muito sentido. Ele adiciona um senso maior de urgência nas seções de plataforma. Temos até perseguições implacáveis de chefes que deixaram meu coração acelerado!
Pode-se dizer que Saviorless não é um passeio no parque, contudo, o game tem uma quantidade abundante de checkpoints, apesar de uma quantidade bem pequena deles serem mal espaçados. Felizmente, como a jogabilidade é altamente responsiva, em nenhum momento fiquei com a sensação de dificuldade injusta. Pelo contrário. Todas as mortes foram ocasionadas por erros cometidos por mim mesmo.
Nas etapas em que jogamos com o Salvador e Nento, temos um foco maior no combate. As lutas contra os chefes são épicas e bem construídas. Apesar dos combates serem simples em comandos, a maior parte deles envolvem interações com o ambiente ou uma boa noção de desvio por parte do jogador. Tudo isso é aprimorado pela qualidade absurda das animações, fator que me surpreendeu DEMAIS!
Os cenários são relativamente lineares e temos apenas um tipo de colecionável: as páginas de história. Temos 5 fases onde 5 páginas são espalhadas em cada uma delas. Ao coletar as 5, no final da fase entregamos as páginas para um escriba em troca de um objeto especial. É necessário reunir os 5 objetos para obter o final bom do jogo. A busca por esses colecionáveis é bem intuitiva, com exceção de três que estão muito bem escondidos e só serão encontrados pelos jogadores mais perspicazes.
David Darias, o construtor de níveis de Saviorless, fez um trabalho formidável. Saviorless dá uma aula magna sobre level design. Tudo é dosado na mais extrema perfeição, de um jeito que é difícil fechar o game até os créditos finais surgirem na tela.
Primor artístico
Comandada por Germán Carrasco, a trilha sonora de Saviorless é sublime. Temos tons melancólicos e oníricos, passando uma enorme sensação de estarmos vivendo uma fábula, algo que se encaixa muitíssimo bem com a proposta da narrativa. As notas de pavor e deslumbre também estão presentes, permitindo que o jogador fique maravilhado com o mundo brutal do game.
Por ser um projeto de escopo menor e em 2D, o hardware do PS5 foi mais do que o suficiente para dar conta do desempenho. Não tive nenhum bug, crash ou instabilidade de frames. Tudo rodou perfeitamente bem. Todos os textos estão localizados em PT-BR, contudo, como joguei antes do lançamento, o jogo estava com um erro onde mesmo selecionando o idioma Português, as legendas saiam em espanhol.
Os desenvolvedores já estavam cientes do problema e já emitiram a correção. Quem jogar no lançamento em diante não deve sofrer com o problema. Além da trilha sonora magnífica, Saviorless é um colosso no que diz respeito à direção de arte. O jogo abre mão do senso real de profundidade para reforçar seu aspecto onírico.
Aliado ao um mundo carregado de simbolismo e inspirado no Art Decó, temos animações que beiram a perfeição. Todas as animações do jogo foram feitas a mão, frame por frame. Isso concede um ar de vida que chega a ser mágico. Chega a ser raro encontrar o mesmo nível de qualidade e isso até em AAAs.
A experiência que tive com ele me lembrou a de outros projetos que moram em meu coração como Feudal Alloy e Forgotton Anne.
Análise de Saviorless: Vale muito a pena!
Saviorless é um projeto de paixão. Como mencionei no começo do texto, o jogo sobreviveu a um conjunto absurdo de obstáculos até ser lançado. Felizmente, o resultado não poderia ser diferente. Cada pixel do game exala o cuidado e o carinho que os desenvolvedores tiveram com o projeto, tornando-o um indie obrigatório para quem gosta de jogos 2D com foco na narrativa. Se essa for sua praia, não perca tempo e mergulhe no universo dos Salvadores. Ao terminar, você talvez não seja mais a mesma pessoa!
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